Graça de São Filipe
Instituição Particular de Solidariedade Social
Classificada de Utilidade Pública
 
 
 
DEUS QUER, O HOMEM SONHA, A OBRA NASCE...

 

... Era uma vez um país que, em Abril de 1974, comoveu o Mundo com a sua “revolução dos cravos”, tranquila e festiva, com a sua sede de mudança e com o seu programa de Democratizar, Descolonizar e Desenvolver aquela que permanece hoje como a nação com as fronteiras mais antigas, mais estáveis e historicamente mais genuínas de toda a Europa.

     Foi neste país ainda em convulsão e metamorfose que aportou, em inícios de 1979, uma senhora de origem alentejana, de nome Exalgina Teles Varela, que trazia um sonho na bagagem. Regressava de África, das antigas colónias do desaparecido império, terras do leite e do mel mas também da guerra e da esperança adiada, onde tinha desenvolvido trabalho na área da intervenção social. A D.Gina - assim era conhecida - não veio para Coimbra para ser parte do problema, do dilema dos “retornados”, mas sim para fazer parte da solução e prosseguir aqui, na velha e acolhedora urbe mondeguina, o trabalho humanitário a que se entregara nas terras quentes do sul. Para encurtar razões: queria ajudar, com a sua experiência e dedicação, a fundar em Coimbra um Lar para a "terceira idade", uma obra social que fazia muita falta nesta região de um país em mudança, cheio de projetos meritórios mas ainda carente de realizações concretas.

     D.Gina e a sua companheira - uma enfermeira chamada D. Dília - precisavam absolutamente de um terreno para poder materializar o seu sonho. Não dispondo de meios para o adquirir, decidiram partir em busca de um benemérito que o pudesse doar, tornando-se assim, ele próprio, parte do sonho em construção. E foi aí que o telefone tocou em casa do Senhor Comendador Eduardo Francisco Filipe (nascido em Vinhó, em 31 de Janeiro de 1899, foi agraciado com a Comenda da Ordem da Instrução Pública, em 1960) e da sua Esposa, Senhora D. Maria da Graça Gomes Correia Filipe. Marcou-se uma reunião, a ideia agradou, brotou uma empatia mútua e depressa se partiu em busca de um terreno para o futuro Lar, destinado a ser a primeira I.P.S.S. (Instituição Particular de Solidariedade Social) em forma de Associação vocacionada para a terceira idade a ser registada em Coimbra. Pode bem dizer-se que nascia assim, naquela tarde do Inverno de 1978-1979, a “Aldeia Graça de São Filipe”!

     Contudo, a escolha do lugar onde haveria de concretizar-se o projeto demorou ainda algum tempo. O benemérito pensou primeiro num terreno que possuía em São Martinho do Bispo e que parece ter agradado à autora da ideia. Chegou até a colocar-se no local um letreiro anunciando a obra social que ali haveria de erguer-se.

     No entanto, por não ter havido acordo no seio da família Filipe (uma das parcelas do terreno em causa pertencia a um familiar do benemérito, que por ela terá pedido um preço que foi considerado demasiado elevado para o fim em causa), houve necessidade de mudar de planos.

     Assim, Eduardo Filipe decidiu entregar, a título de doação, um outro espaço que possuía na margem esquerda do rio Mondego: a bela Quinta de Nossa Senhora da Conceição, situada em Bencanta, escassos quilómetros a poente de Coimbra. O projeto não perdeu com a troca, pois tratava-se de uma quinta com quase 3,5 hectares (cerca de 33.000 metros quadrados) e com 1.100 metros quadrados de construção, correspondentes às instalações do assento agrícola e da residência. Esta propriedade fora adquirida à Senhora D. Carolina Matoso pelo Comendador Eduardo Filipe, na década de 1960, mas a quinta datava do século XVIII e abrigava no seu seio uma pequena Capela, construída na centúria anterior. Para além desta valiosa memória histórica, a propriedade despertava a atenção e o interesse de muitos, a começar por alguns vizinhos famosos, como o Professor Bissaya Barretto, proprietário de um terreno confinante e patrono da prestigiada fundação que se haveria de instalar mais tarde ali mesmo ao lado.

     Na verdade, o terreno do Comendador Eduardo Filipe, além de amplo, era bastante plano e soalheiro, e estava situado numa zona tranquila mas relativamente próxima da cidade, pelo que satisfazia todos os requisitos outrora imaginados pela D. Gina Varela. O regozijo foi grande e logo ali se imaginou que a obra haveria de se chamar "Graça de São Filipe".

 

 

CONSTRUIR O SONHO

 

     Iniciou-se então uma segunda fase do sonho: era preciso estabelecer contactos, solicitar audiências, congregar boas vontades, reunir apoios, fazer cálculos e estudos sobre o que se queria fundar. D. Gina, hóspede na Casa de Santa Zita, em Coimbra, multiplicou-se em diligências, telefónicas e pessoais, nomeadamente junto do Senhor Governador Civil de Coimbra (o saudoso Dr. Fernando Valle, amigo próximo do Senhor Eduardo Filipe), junto da Câmara Municipal de Coimbra (de que em 1979 era ainda Presidente uma Senhora de grata memória e muitos méritos: a Dra. Judite Mendes de Abreu), junto da Comissão Consultiva de Planeamento Regional (presidida pelo Senhor Professor Manuel Lopes Porto) e também do chamado "Gabinete de Apoio Técnico" (pelo qual era então responsável o Senhor Engenheiro António Santos Veloso) (Esclareça-se que os Gabinetes de Apoio Técnico [G.A.T.] correspondiam a parcerias entre as Câmaras e o Estado: competia a este último pagar ao pessoal, enquanto as Câmaras Municipais envolvidas cobriam as despesas de atividade). Todas estas instituições se louvaram no projeto e se colocaram à disposição para o ajudar a viabilizar.


     Particularmente importante, neste contexto, deve ter sido o encontro realizado, no dia 5 de Dezembro de 1979, entre os promotores da ideia e o Governador Civil, Dr. Fernando Valle, com a participação também, entre outros, do Dr. Dinis Soares da Costa (consultor jurídico dos Serviços Sociais das Forças Armadas), da Sra. Dra. Adelaide Almeida (jurista da Comissão de planeamento da Região Centro), do Arquiteto Ferreira Farinha (do G.A.T.) e do Engenheiro Santos Veloso (também pelo G.A.T.). Foi nesta reunião com a Senhora D. Exalgina Teles Varela e o casal Maria da Graça e Eduardo Filipe que se discutiram pela primeira vez, de uma forma alargada, os pressupostos de um anteprojeto dos futuros Estatutos da obra, tendo para o efeito sido designado um grupo de trabalho para aprofundar o assunto, integrando elementos das várias instituições ali representadas.

     Neste tempo de "primeiro Natal" de um sonho em marcha havia, no entanto, clara consciência de que era urgente resolver um outro problema. Tratava-se de negociar a saída da Quinta de Nossa Senhora da Conceição por parte de uma caseira, chamada Maria Preciosa Pereira Madeira (casada com um elemento da Guarda Nacional Republicana: António Augusto Madeira) que, à morte do feitor precedente, tinha sido contratada para tomar conta da propriedade. Esta pessoa e o seu marido tinham alegadamente tirado partido da sua posição para criar um negócio de venda de cabras, ovelhas e cavalos, entre outros animais, circunstância que a família Filipe considerava que tinha degradado a quinta. O assunto acabaria por ser resolvido em tribunal, no dia 31 de Outubro de 1980, tendo sido dada satisfação às pretensões dos proprietários: uma parte do terreno foi imediatamente entregue, enquanto a parte habitada pelos caseiros ficou de ser devolvida até ao dia 31 de Outubro de 1981.

     Entretanto, no dia 21 de Abril de 1980, fora já criada notarialmente a Instituição Particular de Solidariedade Social, sem fins lucrativos e sob a forma de Associação, denominada “Graça de São Filipe”; desta escritura constam os Estatutos que norteiam o projeto. A criação da nova instituição viria a ser homologada em Diário da República, no dia 3 de Junho de 1980.

     A sequência destes acontecimentos permitiu que, logo no dia 19 de Maio de 1980, se procedesse à doação da Quinta de Nossa Senhora da Conceição à Associação recentemente criada, de maneira a que pudessem começar a ser pensados e implementados os primeiros passos de constituição da obra social tão desejada. No dia 29 de Agosto de 1980, foi feito o registo da Associação na Direcção-Geral da Segurança Social.

     Em simultâneo, decorria uma vasta campanha de angariação de associados, que se traduzia não apenas na inscrição formal na Associação, mas também em manifestações de disponibilidade para auxiliar na limpeza das silvas que cobriam uma boa parte do terreno da quinta. Como que recordando estes tempos pioneiros, consideram-se como tendo sido “fundadores” da Graça de São Filipe os associados registados até ao n.º 476, isto é, no decurso dos primeiros seis meses de vida da instituição.

     No dia 1 de Maio de 1981, tomou finalmente posse a Comissão Instaladora da obra social Graça de São Filipe, nos termos previstos no art.º 38.º dos Estatutos da Associação. Vale a pena lembrar a composição dessa primeira Comissão Instaladora: Eduardo Francisco Filipe, Manuel Carlos Lopes Porto (que presidia), Maria Elisette da Silva Dias Carvalhas, José Páscoa Pinheiro, António Carlos Dourado Eusébio, José de Jesus Canejo Pais Dordio, Fernando Luís Mendes Silva e António João Ferreira dos Santos Veloso. Começaram então a ser estudados, com mais detalhe, o futuro Regulamento Interno do Lar e a constituição dos primeiros órgãos sociais a eleger.

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In O Lar “Graça de São Filipe”, Da fundação à atualidade, História breve de um sonho de amor, pág.15 a 22,  por João Gouveia Monteiro e Maria Leonor Cruz Pontes

 

 
A Graça de São Filipe é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sob a forma de Associação de Solidariedade Social, com sede na Freguesia de S. Martinho do Bispo, no concelho de Coimbra.
 
Desenvolve a resposta social de Lar de idosos com o acordo de cooperação celebrado com o ISS,IP/Centro Distrital de Coimbra, em 01 de Outubro de 1988 sob o Nº 1/80.